Enviado por Carlos Alberto Teixeira - O Globo online
24.10.2013
18h00m

Entrevista com David Marcus, presidente mundial do PayPal

David Marcus, presidente do PayPal, esteve no Rio esta semana e falou ao GLOBO nesta terça-feira sobre as últimas novidades tecnológicas da líder mundial de pagamentos eletrônicos, em entrevista no Hotel Fasano, em Ipanema.

Marcus revelou na entrevista que é cidadão brasileiro — seu avô emigrou da Romênia, instalando-se em São Paulo, e teve um filho brasileiro, que é o pai de Marcus — daí a cidadania. Empreendedor desde bem jovem e respeitado inovador de produtos, ele possui notável histórico de sucessos nos negócios na Europa e nos EUA.

Hoje com 40 anos de idade, David Marcus chegou ao PayPal em 2011, quando a empresa comprou a Zong, seu empreendimento tech. Continuou trabalhando em sua visão de longo prazo focada na tecnologia de pagamentos digitais, que proporciona experiências diretas, conectadas e convenientes em escala.

Nascido na França, David cresceu entre Paris e Genebra e aprendeu sozinho a programar computadores aos oito anos de idade. Estudou na Universidade de Genebra durante um ano, mas preferiu abandonar a faculdade para iniciar sua carreira como empreendedor.

Sua primeira startup foi a GTN, fundada em 1996, quando tinha 23 anos. A empresa cresceu e se tornou uma das três principais alternativas entre provedoras de telecom da Suíça e, em 2000, foi comprada pela World Access. Então, ele então abriu a Echovox, companhia pan-europeia de mídia e entretenimento móvel que serviu de base para a Zong, empresa que ele criou em 2008, após mudar-se para o Vale do Silício, nos EUA. A Zong apresentou uma forma inédita para os consumidores efetuarem pagamentos de forma rápida e fácil, inserindo o número de seu telefone móvel e debitando o pagamento de suas contas sem fio.

Em 2011, a Zong foi comprada pelo PayPal e David assumiu o papel de vice-presidente da área de mobilidade, liderando os produtos e negócios móveis da empresa, que incluíam o desenvolvimento e lançamento do PayPal Here.

Em abril de 2012, David foi nomeado presidente do PayPal. Motivado por sua crença de que a base fundamental para o sucesso nos negócios é entender tudo por meio dos olhos dos clientes, ele está ampliando a excelência da escala, recursos e inovação tecnológica do PayPal para oferecer produtos que entusiasmem os consumidores e que revolucionarão os pagamentos. Com isso, reinventando a experiência de compras para as empresas e seus clientes em todo o mundo.

■ O que o traz ao Rio?

Na verdade estou aqui durante a semana inteira, alguns dias no Rio, outros em São Paulo para conversar com vários parceiros e clientes nessas duas cidades. E também para me encontrar com nossa equipe em São Paulo. Afinal, o Brasil é um dos nossos mercados mais estratégicos e apresentando maior crescimento. [Segundo fontes, David estaria aqui também para acompanhar a situação da regulamentação de pagamentos móveis pelo governo brasileiro].

■ Quais os planos do PayPal para o Brasil?

Nós estamos em plena expansão e existem duas áreas que são muito importantes para nós. A primeira delas é o comércio trans-fronteiras, que está crescendo muito rapidamente. É o caso, por exemplo, de usuários brasileiros comprando produtos de outros países. Queremos tornar esse processo mais fácil e seguro. Crescer nesse mercado é algo chave para nós. E já é um grande mercado. Mais de 5 milhões de brasileiros estão comprando anualmente produtos de fora do país. E é claro que nos interessa também o mercado doméstico, permitindo que o PayPal seja usado em cada vez mais situações, tanto on-line em desktops e laptops, quanto em dispositivos móveis, permitindo transações “seamless” (sem discontinuidade), envolvendo o máximo de países, comerciantes e consumidores.

■ Quando você começou no PayPal em 2011, trouxe uma nova filosofia de startup, dando uma nova cara à empresa e aumentando o dinamismo dos processos. Como está se desenvolvimento essa transição? A nova cultura já está estabelecida?

Ainda se trata de um trabalho em andamento. Não é fácil mudar a cultura dentro de uma empresa desse tamanho. Agora somos 14 mil pessoas trabalhando no PayPal. Mas estamos fazendo grandes progressos, especialmente se prestarmos atenção nas inovações que anunciamos nos últimos seis meses.

■ Qual é a meta da empresa com todas essas novas tecnologias que vocês estão soltando no mercado?

Nosso objetivo é reinventar o dinheiro, permitindo que ele flua mais suavemente e de maneira mais segura, e isso é mais factível no formato digital do que no velho modo analógico do dinheiro convencional. E o nosso potencial de crescimento é realmente muito grande, considerando que o PayPal por enquanto abrange apenas uma pequeníssima parcela das transações que ocorrem no mundo inteiro. On-line somos um grande player, Mas se você levar em conta todas as transações que se dão no mundo real, vemos que ainda não podemos pagar eletronicamente, por exemplo, por um coco verde geladinho ali na praia de Ipanema. Ou seja, existe muito dinheiro que está trocando de mãos no mundo e que o PayPal ainda não vê. E nosso desejo é tornar “seamless” todas essas transações entre pessoas, entre empresas, e entre pessoas e empresas. Temos grandes oportunidades pela frente.

■ Como você pretende implantar essas novas tecnologias próprias, como PayPal Here, Beacon, pagamento por QR codes, Payment Codes e outras aqui no Brasil?

O queremos em última instância é que todos os serviços e produtos que temos funcionando ou em testes nos EUA e na Europa venham também para o Brasil. Ainda anunciaremos prazos precisos para cada um, mas queremos que nossos usuários brasileiros possam desfrutar todas essas experiências o quanto antes.

■ E como está a implantação dessas novas tecnologias nos EUA?

Estamos avançando muito bem nos Estados Unidos nesse particular. Mais de 10 mil restaurantes lá já usam o nosso aplicativo com que se pode fazer o pedido antes mesmo de entrar no estabelecimento, ou mesmo pedir assim que se senta à mesa, visualizando no celular a sua conta já pronta com seus pedidos até aquele momento. Assim, na hora de pagar é só tocar na tela, informar a gorjeta e simplesmente sair do restaurante sem qualquer demora. Além disso, já temos milhares de estabelecimentos em que se pode pagar usando nosso app móvel, que já integramos com a maioria dos sistemas de ponto de venda. Assim, você usa o app para fazer check-in no restaurante e sua foto já aparece no terminal do estabelecimento. E as pessoas adoram essa experiência logo na primeira vez que tentam. Antes de usar, as pessoas não entendem direto, mas assim que utilizam é tudo tão fácil que elas ficam maravilhadas, especialmente quando tudo se dá sem que o cliente precise sequer tocar no telefone. O dinheiro se torna invisível.

■ Como estão indo os pagamentos por QR codes e Payment Codes nos EUA?

O conceito dos Payment Codes é que idealmente você não tenha nenhuma interação com seu telefone, e a transação se processa de maneira virtualmente invisível. Mas em alguns casos, como num supermercado, em que há várias filas no caixa, e caso você não use o auto-check-out, o sistema precisa saber exatamente em qual fila o usuário está. É nesse caso que entra em cena o QR code, que é exibido na tela do seu celular e o caixa simplesmente o escaneia em 1 segundo, fechando a compra inteira e pagando. Do jeito que construímos o produto, dependendo de onde se encontre o usuário e em que situação ele esteja, o próprio aplicativo indicará a forma de pagamento mais adequada para realizar a transação. Se for via foto, código de barra, ou se for num restaurante, o sistema saberá, pois é muito contextual em sua funcionalidade. Se for numa loja de comidas “para viagem”, pode haver uma área em que você possa sair da fila, fazer seu pedido e ir direto pegar sua comida sem esperar em qualquer fila. O sistema é “consciente” da localização e do contexto do usuário e da transação.

■ E como se sente o usuário em situações assim?

O usuário do PayPal se sente totalmente VIP. Quando analisamos as transações no mundo real, será que o pagamento via cartão de crédito é desagradável para o usuário? Não, ele é bem fácil. Se for em dinheiro vivo também, é imediato. O que procuramos analisar são as experiências “dolorosas” ou chatas relacionadas a pagamento que se dão antes ou depois do ato de pagar em si. Esperar na fila é uma dessas chatices. Ou então, no restaurante, ficar acenando para o garçom para que ele venha cobrar a conta é outra dessas experiências desagradáveis. Só depois de muito tempo, lá vem ele com a maquininha do cartão, e essa espera incomoda. Nos EUA, os números mostram que mais de 20% do tempo que passamos num restaurante tem a ver com todo o processo de pagamento — pedir a conta, esperar pelo garçom etc. Isso é tempo demais. Podemos economizar tempo agilizando todos esses processos em que há muita espera envolvida no ato de pagar, e a tecnologia é a melhor ferramenta para implementar essas otimizações. E assim vemos o mundo. Estamos indo atrás de problemas reais para resolvê-los, proporcionando experiências mais agradáveis.

■ Como estão reagindo os comerciantes ao recentemente lançado Beacon?

O Beacon funciona tanto para pequenos como grande comerciantes. Como sabemos, existem várias tecnologias de localização no mercado. Mas existem dois problemas nelas. Se você quer acompanhar a localização o tempo todo, lá se vai a sua bateria do celular. E se for no caso o iPhone, pode-se usar o conceito de “geo-fences” (cerca geográfica). Só que este conceito só permite, por enquanto, até 20 locais. E nós compramos em bem mais que 20 locais. E o geo-fencing também usa bastante bateria. Fora isso, considerando que o PayPal já está no mercado há quase 15 anos, uma das coisas que mais prezamos é dar segurança aos nossos usuários e ao dinheiro deles. E foi isso que norteou nossa busca por uma tecnologia que permitisse pagamentos completamente “hands free” (sem usar as mãos), com o usuário tendo controle sobre o processo. Não estamos esquadrinhando o tempo todo a localização do usuário, pois, afinal, as pessoas não gostam muito de companhias acompanhando suas coordenadas o tempo todo. Outras empresas podem ter lá seus pontos de vista quanto à privacidade dos usuários, mas o Beacon resolve essas questões. Permite pagamentos “hands-free”, criando uma cerca virtual em torno do estabelecimento. Quando o usuário ultrapassa o limite e entra na área cercada, o Beacon envia uma notificação “Push” diretamente para o celular da pessoa. A localização ainda não foi informada à internet até esse ponto. Em seguida, o sistema pergunta se o usuário quer fazer o check-in no estabelecimento, o que pode requerer um toque no celular ou ser configurado para aceitar automaticamente. A partir, fazendo o check-in, o app compartilha sua localização com o comerciante. Se não fizer o check-in, nunca ninguém vai saber que você esteve ali. Assim, a privacidade está protegida, e em menos de 3 milissegundos você está checado no estabelecimento e pode pagar “hand-free”. Temos um pequeno vídeo que mostra bem como funciona o PayPal Beacon, em <http://goo.gl/XHvUFg>. A beleza disso é que o usuário nem precisa abrir o aplicativo para poder pagar “hands-free”, e ainda por cima a bateria é poupada. É o seu telefone que lhe avisa quando você pode ser um VIP e escapar das filas e das esperas. E assim, cria-se o hábito.

■ Mas alguma coisa precisa ficar ligada no celular o tempo todo para receber a notificação?

Sim, é preciso que o Bluetooth esteja ligado o tempo todo, mas é o que acaba acontecendo com a maioria dos usuários de smartphones, pois eles se conectam com o rádio do carro, com fones de ouvido etc. Quando o Beacon detecta que um certo endereço MAC, associado ao telefone do usuário, está dentro da loja, o sistema empurra uma notificação para aquele endereço. Mas isso não consome muita energia, especialmente porque usamos BLE (Bluetooth Low Energy = Bluetooth de Baixa Energia, vide <http://goo.gl/Yfxgd>). E isso gera um tempo de resposta de 3 milissegundos em cada sentido, ou seja, é muito rápido.

■ Como está a concorrência reagindo? Google, Amazon etc.

A Amazon está mais focada em transações on-line. Ele querem que você possa comprar qualquer coisa on-line e depois entregam na sua casa, às vezes no mesmo dia. Quanto aos outros, acho que não estão mais querendo reinventar o comércio off-line, muito embora boa parte deles já tenham tentado. Eles descobriram que é algo bem difícil. Alguns apelaram para a tecnologia NFC, mas perceberam que não estavam realmente resolvendo problema algum com essa técnica. E, ademais, o ecossistema NFC é muito complexo, com múltiplas operadoras, cada uma querendo abocanhar um bom pedaço da grana, e também os bancos, as redes e os distribuidores com os mesmos anseios. Encostar o telefone em um sensor físico na loja é parecido com passar um cartão de crédito numa leitora. E quando você quer mudar hábitos que já estão arraigados há mais de 40 anos, é preciso surgir com algo novo, algo que realmente resolva problemas reais na vida das pessoas.

■ Mas e a Amazon, com seu novo “Login & Pay”? Afinal, eles estão querendo entrar nesse mesmo mercado de pagamentos on-line.

Se você vende no varejo on-line, tradicionalmente os dados são usados contra você, não a seu favor. Isso é algo bem conhecido. Assim sendo, acho que todos os nossos maiores clientes provavelmente nunca irão brincar com eles. É duro. Se você olhar para o mundo on-line, as transações estão se concentrando realmente nos maiores varejistas cada vez mais. O grandes players no e-commerce estão crescendo depressa, ao passo que os pequenos estão declinando. Já no mundo off-line dá-se o oposto. Portanto, se você não consegue atrair os grandalhões então fica bem difícil montar um sistema de pagamentos. E os grandalhões não vão jogar com a Amazon, porque esta própria Amazon está querendo tirá-los do negócio.

■ E quanto aos pequenos comerciantes, com o PayPal Here?
Nossa abordagem com o PayPal Here é bem singular, pois ele é voltado para os comerciantes bem pequenos. O que fizemos foi criar um PayPal Here SDK (kit para desenvolvimento de software) que foi utilizado por vários desenvolvedores de soluções para ponto de venda, que são baseados em iPad, tablets Android e outros. Com isso, esses desenvolvedores podem criar soluções bem específicas para cada um de seus clientes. A Revel Systems <http://revelsystems.com/ >, por exemplo, é especializada em restaurantes e manutenção de lojas.